O sol brilha maravilhosamente nesse domingo em que o cobra e a polvo levam seus dois filhinhos à praia.
Logo ao chegar, ela tem de lançar seus tentáculos para segurar as crianças afoitas, que quase já entravam na água. Ela sabe que, em primeiro lugar, é preciso protegê-los do sol. Assim, lambuza de protetor solar os inquietos corpinhos, coroando-os com um bonezinho, tal qual uma cereja sobre o sorvete… A polvo aproveita e passa protetor também no cobra. E só então, finalmente passa nela mesma, nas partes do corpo que consegue alcançar. Depois, pede a ele – que está arrumando o território onde a família vai ficar – que passe a loção em suas costas.
Os filhinhos correm para o mar. A polvo os segue com o olhar, pois sabe que criança e água não combinam: uma engole a outra, e vice‑versa, sempre. Se ela pudesse, estenderia todos os seus tentáculos para evitar os perigos que ameaçam sorrateira e ostensivamente seus amados filhinhos. Bloquearia as ondas maiores, diminuiria a intensidade do sol, afastaria as pessoas indesejáveis, aqueceria a água, impediria que um filho jogasse água no outro, provocaria a união entre os dois, faria que se dessem as mãos para proteger um ao outro – e, assim, aproveitassem o memorável passeio, registrando para sempre que tiveram uma infância feliz. Ela nunca foi à praia quando criança, o que lhe aperta o coração até hoje.
A polvo não descuida dos filhotes um segundo sequer, nem para piscar. A intensidade do sol aumenta e a brisa resseca seus olhos, que começam a reclamar, a arder e lacrimejar. Mas ela está lá, a vontade mais firme do que o corpo – que já não aguenta mais. Ela precisa fechar os olhos um segundinho… Então, lembra-se do marido.
Ele está de pé, de braços cruzados, varrendo a praia com o olhar e sentindo a brisa no corpo. É uma figura imponente: o senhor da praia.
Ele ouve a esposa chamar: Benhê, você fica de olho nas crianças para que eu possa fechar os olhos um pouquinho? Ela fala em tom de súplica, para comover o marido. E ele responde: Pode deixar, meu bem! Eu olho as crianças! E, com seu olhar de cobra – entenda‑se em tubo –, fixa os olhos no alvo: as crianças.
Mesmo tombada, a polvo não abre mão do controle. Vai perguntando ao marido: Onde estão as crianças? O que elas estão fazendo? Conforme o modo como o cobra responde – tom de voz, rapidez, precisão das palavras, vacilações ou humor –, ela avalia a situação. Ao mínimo sinal de anormalidade, ela abriria imediatamente os olhos para reassumir o controle de tudo…
O cobra responde de acordo com o esperado, nem percebe que a polvo desconfia de sua capacidade de cuidar das crianças. Ele continua a olhar os filhos em tubo até que, entre seus olhos e as crianças, passa algo balouçante, um tanto quanto rebolante… Aí o olhar em tubo muda de alvo. Agora, acompanha instintivamente os movimentos do novo alvo até que ele quase desapareça de vista. Mas, de repente, ele se lembra: Xi, e as crianças? O cobra se volta rapidamente para o ponto onde estavam as crianças. Mas onde elas estão que ele não as encontra? Sumiram… As danadas sumiram!
Pânico geral. A polvo levanta‑se como se uma mola a empurrasse e corre em direção ao mar, desesperada. O mar engoliu os filhinhos dela, com certeza! Será que alguém os raptou? Seria um sequestro?
Ela grita com o marido: Faça alguma coisa!
Mas eis que as crianças estão sentadinhas na areia fazendo buracos. A polvo as abraça como se elas tivessem se afogado e Deus as tivesse devolvido, tamanha a sua devoção… Passado o susto, ela não sossega: um dos seus tentáculos vai enforcar aquele pai desnaturado.
Onde já se viu perder os filhos? Nem para olhar os próprios filhos ele serve, aquele folgado…
As crianças continuam felizes, brincando e vivendo a pura inocência de não saber dos grandes perigos que passaram pela mente da mãe, de cujos olhos brotam lágrimas de ternura, agora indiferentes ao sol abrasador…
A polvo jura que nunca mais vai confiar SEUS filhos àquele cobra desalmado.
O cobra se queixa da mulher: Para que tanto escândalo? Encontrou as crianças? Então está bom. Para ele, não há motivo para se preocupar com o que não aconteceu. Tudo volta a ser como antes daquele sufoco, e ele é novamente o Senhor da praia.
Tudo não passou de uma chuva emocional de verão…
Fonte: trecho do livro “Homem Cobra Mulher Polvo – Divirta-se com as diferenças e seja muito mais feliz”, de Içami TIba – Integrare Editora
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