abril 25, 2011

Vamos começar esclarecendo que estamos falando de duas coisas diferentes. Rotina é a repetição sistemática de uma conduta. Monotonia indica que essa conduta é chata, sem sabor, aborrecida.

A rotina não é necessariamente ruim e, para algumas coisas, é necessária e desejável. Para obter bons resultados no estudo, no trabalho e na ginástica, por exemplo, é necessário que as atividades sejam repetidas sistematicamente, pois é de sua constância e de seu somatório que aparece o resultado. Eu, por exemplo, juro que gostaria de ter mais rotina em minha vida. Atualmente, meu trabalho me obriga a viajar muito, variando imensamente meus dias, o que significa que minha vida não tem rotina nenhuma. E, acredite, eu me ressinto disso. Gostaria de poder escrever todos os dias — isso me faria produzir textos mais sofisticados. Adoraria poder praticar um esporte regularmente, ou pelo menos freqüentar a academia três vezes por semana o ano todo, pois isso teria um impacto positivo em minha saúde. E por aí vai. Há várias atividades rotineiras que não são monótonas; pelo contrário, tornam-se desgastantes exatamente porque são feitas esporadicamente, sem a regularidade necessária à boa prática.

Casamento também é assim. Estar casado é conviver diariamente com um sem-número de pequenas rotinas, que podem ser maravilhosas. Ou não? Talvez a maneira como encaramos a rotina no relacionamento seja uma chance de avaliar se temos ou não um bom casamento, ou se precisamos, pelo menos, fazer alguns ajustes. Estar casado significa dormir com a mesma pessoa todas as noites e acordar ao lado dela todas as manhãs. Gostar disso significa ter um bom casamento.

A rotina de um bom casamento é composta por um imenso conjunto de minúcias adoráveis: beijar as costas do outro antes de dormir; levantar primeiro de manhã para ir ao banheiro e deixar a escova dele já com pasta de dente sobre a pia; servir, um ao outro, a primeira xícara do dia com a mistura exata do café com o leite; secar a louça enquanto o outro lava; ligar do trabalho no meio da tarde. Essas são rotinas, sim, mas rotinas saborosas, desde que nelas haja o tempero adocicado do amor em oposição ao amargo sabor da obrigação.

Estar casado é dividir os momentos que se repetem e, por isso mesmo, se aprimoram. Lembro-me de ter perguntado à minha mulher por que de repente ela parecia absorta e ausente — o que muito me irritava. Então, ouvi uma suave explicação: “Há momentos em que sinto necessidade de agradecer”. Levei um tempo para perceber — macho troglodita — que ela agradecia pela rotina, pelo prazer de ter ao seu alcance a segurança de entender sua vida e controlar seus movimentos.

A monotonia, em contrapartida, é a vilã não só do casamento, mas da vida como um todo. Definitivamente, a monotonia é inimiga de quase tudo de bom que nasce da alma humana. Ela mata a criatividade, afoga a alegria, sufoca as relações, amaldiçoa a felicidade. Monotonia significa manter o mesmo tom, mesmo tendo à disposição uma grande variedade deles. A palavra “monotonia” remete à metáfora auditiva, então vale a pena lembrar: o ouvido humano normal é capaz de perceber sons de freqü.ncias entre 15 e 25.000 Hz. Isso permite ao cérebro captar uma quantidade imensa de sons, porque ele precisa disso para conectarse com o ambiente e compreendê-lo. Não é justo — nem com a biologia nem com a psicologia, muito menos com a poesia — aprisionar alguém a poucos tons. A monotonia, via esta metáfora, é desumana e destrutiva.

Fonte: Texto retirado do livro “Caminhos da Mudança – Reflexões sobre um mundo impermanente e sobre as mudanças de “dentro para fora”, de Eugenio Mussak – Integrare Editora