A raiz da prisão de ventre…

Eis um exemplo bem típico de diferenças na educação entre os sexos que acabam gerando problemas para a mulher. É importante não só valorizar o corpo, mas tudo o que ele fabrica. As fezes, a urina, as secreções do nariz ou dos ouvidos não podem ser encaradas como coisas horrorosas.

Para a criança pequena, tudo o que sai do seu corpo é parte dela. Seu cocô é muito importante. Se aprender que aquilo causa nojo aos pais, ela poderá ter dificuldade em aceitar os produtos corporais e, mais tarde, desvalorizar até mesmo o leite que sai dos seus seios para alimentar seu bebê. Qualquer secreção vaginal será vista com temor. Evacuar passará a ser um grave problema.

O ato de eliminar as fezes é muito natural para a criança pequena. Trata-se de um reflexo simples: um estímulo avisa que o intestino está cheio e, então, ela o esvazia, onde estiver. À medida que vai crescendo, e o cérebro e os centros informativos da medula se desenvolvem, a criança aprende a inibir o reflexo. Seus pais ensinam que ela não pode fazer cocô em qualquer lugar, só no banheiro. Então, ela se senta no vaso sanitário, relaxa, facilita o reflexo e as fezes são expelidas. Passa a ser um reflexo condicionado. Esse processo também tinha tudo para ser natural.

Depois dos 3 ou 4 anos, com maior domínio dos centros nervosos superiores, fatores de ordem psicológica (como a censura, localizada no cérebro superior) começam a inibir ou a facilitar o reflexo (que está no cérebro mais primitivo). E, assim, aos 5 anos, a menina faz uma viagem com a amiguinha e, por vergonha, prende o intestino. Não quer deixar o banheiro cheirando mal. Alguém pode usar em seguida e isso é desagradável.

Os meninos não têm esse tipo de escrúpulo. O cocô pode ser fedido, grande ou pequeno. Nada disso os intimida. Pelo contrário. Adoram soltar gases para chamar a atenção. Quanto pior o cheiro, melhor!

As meninas têm de fazer cocô cor-de-rosa e com um cheirinho agradável. Só que as fezes sempre são feias e cheiram mal.

Outro drama diz respeito ao vaso sanitário. Todos, menos o de sua casa, parecem esconder um monstro capaz de infeccioná-la com perigosíssimas bactérias que podem complicar a sua vida sexual e arruinar suas possibilidades de ser mãe.

Assim, o reflexo vem, a menina o inibe; depois de duas horas ele retorna, ela o inibe outra vez e passa aquele fim de semana sem usar o banheiro. Só faz cocô ao voltar para casa. Se a viagem durar uma semana, serão sete dias sem defecar!

Banheiro público ela não usa de jeito algum, pois tem medo de contrair doenças. “Afinal, mamãe me falou que quando eu crescer posso até engravidar em um banheiro público.”

Com o tempo, o reflexo é abolido e deixa de ser pressentido. Em outras palavras, seu corpo sensorial é negado e ela passa a ter constipação intestinal. Só laxante, mamão e ameixas — e às vezes nem isso — conseguem estimular, de forma anormal, seu intestino, que já não funciona mais por si só.

O mesmo pode suceder com o orgasmo, outro reflexo simples. A respiração acelerada, a vagina intumescida, está tudo pronto para o desfecho, mas um comando de origem psicogênica (a censura) inibe o prazer. O processo educacional iniciado na infância para diferenciar o homem da mulher pode fazer com que o “organismo” guarde coisas para o futuro.

A deseducação do corpo sensorial pode ser revertida, com o tempo e as vivências, mas, em um grande número de mulheres, causa sequelas que às vezes permanecem até a velhice. Uma psicoterapia pode ser necessária para aprender a lidar com essas cicatrizes.

Fonte: trecho do livro “Mulher – Um projeto sem data de validade”, de Malcolm Montgomery – Integrare Editora

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